ONDE
PULSA O CORAÇÃO DA IGREJA?
A vida litúrgica da
nossa Igreja é uma riqueza – todos nós sabemos. Ela é fonte que nos ajuda a
compreender e a viver melhor o mistério da fé que proclamamos, porque é nela que
pulsa o coração da Igreja. Liturgia e Igreja se relacionam intima e
reciprocamente: tanto que sem liturgia não há Igreja. Por isso é de muita
importância que tenhamos sempre plena consciência dos mistérios que a comunidade
cristã reunida em torno da Eucaristia celebra. Tal comunidade celebra o memorial da Morte e
Ressurreição do Senhor, que se faz presente na liturgia da Igreja por meio da
Eucaristia, ao mesmo tempo que anuncia a sua vinda gloriosa no fim do tempos.
Se não sabemos bem no
que cremos, como poderemos compreender aquilo que celebramos? A essa pergunta,
o Papa Bento XVI, quando ainda cardeal, esboça uma resposta: “A fé cristã é
mais do que opção por uma base espiritual do mundo. A sua fórmula central não
diz: ‘Creio alguma coisa’, mas: ‘creio em Ti’." [A liturgia] é encontro com o homem Jesus, fazendo-nos experimentar nesse encontro o sentido do mundo, como pessoa. De fato, se não
compreendermos bem o sentido da nossa fé e, consequentemente, do que celebramos
a partir do ser de Jesus que se dá a conhecer em seus mistérios ao longo da história
da salvação na ação litúrgica; então, seremos uma Igreja mutilada. Se perdermos
de vista essa dimensão da liturgia – a de que é nela e por meio dela que
[podemos] compreender[emos] e viver[emos] autenticamente a nossa fé, nós não
vamos empobrecê-la, não; vamos mutilá-la.
Com efeito, é na
liturgia que experimentamos sempre de novo aquela água pura que Jesus oferece à
Samaritana, no Evangelho de São João. É na liturgia que experimentamos
continuamente aquela fonte verdadeira e inesgotável de água pura que é o próprio Jesus e
que sacia a nossa sede de vida e de salvação. Pensando assim, a palavra de
Jesus à Samaritana pode ser aplicada a nós, quando dizemos muitas vezes que não
gostamos de liturgia, quando damos pouco valor a ela, quando a dessacralizamos:
‘Ah, se conhecêsseis o dom de Deus e quem é que te diz dá-me de beber!’ Ah, se
a gente conhecesse! Se conhecêssemos o dom de Deus manifestado a nós na
liturgia da Igreja – aqui não se fala de conhecimento teórico, mas de experiência
mesmo, de vivência –, se soubéssemos que dom magnífico é este o da liturgia,
então a valorizaríamos inestimadamente, porque ela é momento de verdadeiro
encontro pessoal com Jesus, nosso Deus e Senhor, porque ela “é fonte da vida da
Igreja” (SC 10), povo peregrino ao encontro do Senhor.
Dionísio Borobio, em ‘A
Celebração na Igreja’, diz em uma palavra bonita: “A liturgia é a realidade
mais viva e a expressão mais eloquente da vida da Igreja.” E ele diz,
exatamente, para corroborar com a afirmação de que sem liturgia, a Igreja perde
o seu brilho, perde o seu sentido. De fato, o brilho não é só o acessório, mas
a essência mesmo. Sem tal brilho, perde-se a essência. E nós corremos o risco
de ofuscar por causa das nossas vontades, das nossas ideias, das ideologias as
quais aderimos o brilho da liturgia, fazendo com que ela perca a sua essência: Cristo
Jesus e o mistério salvífico que Ele vem nos comunicar. O autor complementa
ainda que é “por intermédio da liturgia”, que a Igreja enuncia a sua identidade
reconhecida. Ou seja, a Igreja se constitui como comunidade autenticamente cristã
na medida que reconhece o mistério que celebra, porque celebra o Cristo que é
seu esposo e, ao mesmo tempo, celebra o Cristo que é o horizonte para o qual
caminha.
Borobio lembra que a Igreja enuncia a sua ‘identidade reconhecida’ e assim o faz, porque
experimenta a presença daquele que é e sabe que sem Ele, ela nada é. “Podemos
caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não
confessarmos Jesus Cristo, está errado. Nós nos tornaremos uma ONG sociocaritativa,
mas não a Igreja, esposa do Senhor”, nas palavras do Papa Francisco. Essa
identidade que a Igreja reconhece em si sempre que celebra o mistério de seu Esposo
e Senhor está presente também na ‘mesmidade renovada’ do Culto Eucarístico. Ou
melhor, o que a Igreja celebra não é um ato do passado, não é um acontecimento
perdido na história, mas é o mesmo evento que se torna presente na medida em
que se experimenta sempre de novo a presença de Jesus.
Tal ‘mesmidade renovada’
nós vamos perceber de um modo muito mais visível na quinta-feira santa, especialmente.
Na hora da Consagração, o padre vai dizer: “na noite em que ia ser entregue,
isto é, hoje’. Também nas festas da Páscoa, é dada
especial ênfase ao mistério que não é passado, mas que é o mesmo que se renova,
que é a presentificação do mistério salvífico de Deus, que é presença antiga e
sempre nova de Cristo "que é, que era e que vem" (cf. Ap 1,8). É exatamente nesse sentido que
Borobio afirma: “Na liturgia, a Igreja faz a experiência do seu ser e do seu
existir. A liturgia é a própria Igreja.” Por isso, podemos dizer que ferir a
liturgia – não é uma preocupação desnecessária – é ferir a própria Igreja. No
fundo, é uma traição à Igreja, é uma infidelidade àquilo que ela recebeu puro e
que deve guardar puro para as gerações que virão.
Se não tratarmos como
sagrado o que é sagrado, o que chegará às futuras gerações? É preciso não perder
de vista a dimensão da dignidade na liturgia, mantendo as tradições que recebemos
da Igreja, traduzindo também essa mesma tradição para os homens e as mulheres
do nosso tempo, mas sem perder a fontalidade, sem perder de vista as origens
das quais a liturgia brotou e onde pulsa o coração da Igreja. Traduzir a
tradição da Igreja para os homens e mulheres do nosso tempo significa essencialmente
experimentar a presença real de Jesus no Culto Eucarístico por excelência,
significa experimentar intimamente uma relação com Deus que é simbólica e que,
por meio da Eucaristia, se dá totalmente. Triste é quando nós nem
experimentamos a presença de Jesus, dom da liturgia da Igreja, em nossas vidas,
nem deixamos que ninguém experimente.
Trecho da palestra proferida pelo Padre Elison Silva,
em 22 de março de 2014, no Encontro de Liturgia e Canto Pastoral,
promovido pela Arquidiocese de Maceió,
salvaguardadas as devidas edições e adaptações livremente realizadas.
Olá Padre, nos ultimos anos, pessoalmente tenho redescoberto a beleza da Liturgia da Igreja. Principalmente da liturgia Tridentina e toda sua teologia. É duro e triste pensar que havia em mim a HERMENEUTICA RUPTARA. Na minha cabeça tudo que era anterior ao Vc II era ultrapassado e sem sentido. Sei que nem tudo é culpa minha, tudo depende da cultura eclesial que se vive. Hoje, repito, REDESCOBRI a Fé.
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