É no trecho, que meditaremos
hoje, da Carta Apostólica Porta Fidei, que o papa emérito Bento XVI convida-nos
a, neste Ano da Fé que ainda vivenciamos, intensificar o testemunho da
caridade. Mas o que têm a ver caridade e fé? Afirma o Apóstolo São Tiago,
respondendo-nos esta pergunta: “De que serve, irmãos, que alguém diga que tem
fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou
irmã estiverem nus e precisarem de alimento cotidiano, e um de vós lhes disser:
‘Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome’, mas não lhes dais o que
é necessário ao corpo, de que lhes servirá? Assim também a fé: se ela não tiver
obras, está completamente morta. Mais ainda! Poderá alguém alegar sensatamente:
‘Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu,
pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé’” (Tg 2,14-18).
É nesse sentido que afirma Bento
XVI que a fé sem caridade não dá fruto. Que fruto daria uma fé que se diz
somente com a boca, mas não se traduz em ações? Fé sem obras, sem ações, sem
atitudes concretas de vida é tão somente teoria. Uma teoria vazia, inútil. É uma
ideologia que certamente nos frustrará. Contudo, a nossa fé não é uma ideologia
furada, nem é muito menos uma atitude sem convicção, porque – como também afirma
Bento XVI –sua fórmula central não diz: "Creio alguma coisa", mas:
"Creio em Ti". Cremos em Cristo Jesus que se entregou à morte para
salvar-nos da nossa culpa e do nosso egoísmo. Cremos que Ele se encarnou no
ventre da Virgem Santíssima, cujas alegrias estamos celebrando nesta festa,
fez-se homem e veio habitar entre nós. Cremos em um Deus que se fez homem para
nos ensinar a sermos homens. Como, então, algum cristão pode pensar em viver
uma fé fria, sem obras, morta?
Se a fé se esvazia sem nossas
atitudes concretas, “a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à
mercê da dúvida”. Nada muito diferente do que disse o papa Francisco, na Santa
Missa com os cardeais, na Capela Sistina, logo após a sua eleição: “Podemos
caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não
confessarmos Jesus Cristo, está errado. Nós nos tornaremos uma ONG social,
caritativa; mas não seremos a Igreja, Esposa do Senhor”. Se as boas obras são
indispensáveis à fé, a fé é na mesma medida indispensável a qualquer bem que
queiramos fazer. É a fé que permite conhecer Cristo e reconhecê-lo no outro e é
esse conhecimento de Cristo que nos impele a socorrer o próximo no caminho da
vida. De nada adianta socorrer materialmente aos mais necessitados, se não
pudermos oferecer a eles o socorro espiritual de que, muitas vezes, tanto se
necessita. Fé sem convicção, caridade inútil: fazer-se próximo ao mais
necessitado sem fazê-lo próximo a Deus.
O tema proposto para esta noite,
a sétima da festa em honra a Nossa Senhora dos Prazeres, padroeira de nossa
cidade e desta arquidiocese, diz-nos exatamente isto: “A fé sem a caridade não
dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da
dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à
outra realizar o seu caminho”. Providencialmente, a liturgia da palavra deste
domingo possui alguns aspectos que dizem respeito ao referido tema. Destacam-se
três. A primeira leitura, do Livro do Profeta Isaías, enfatiza a promessa de Deus de colocar um sinal no meio
dos que ainda não ouviram falar d’Ele e de enviar mensageiros para proclamá-lo.
Daí, o primeiro aspecto: Nossa fé deve ser sinal da presença de Deus.
Diz-nos o Livro do Profeta
Isaías: “Porei no meio de todos os povos um sinal, e enviarei mensageiros para
as terras distantes, e, para aquelas que ainda não ouviram falar em mim e não
ouviram minha glória”. Que a nossa fé sirva de sinal da presença de Deus! Somos
nós os mensageiros de Deus enviados às terras mais distantes do nosso tempo,
enviados às “periferias existenciais”, enviados a dar testemunho da nossa fé
por meio de obras concretas, por meio de atitudes de vida verdadeiras e
sinceras. Em sua visita ao Rio de Janeiro, há exatamente um mês, dizia-nos o
papa Francisco: “Quero que a Igreja saia às ruas, quero que abandonemos tudo
que seja mundano, que seja conformidade, que seja comodidade, que seja
clericalismo, que nos encerre em nós mesmos. As paróquias, os colégios, as
instituições são para sair, se não saem se convertem em uma ONG e a Igreja não
pode ser uma ONG”. A Igreja precisa dar testemunho da sua fé!
A Virgem Santíssima é exemplo de
fé viva. Ela, sim, soube fazer-se sinal da presença de Deus. Conta-nos o
evangelista São Lucas que, ao receber a mensagem do anjo Gabriel de que seria a
mãe do Salvador, ela partiu para servir sua prima Santa Isabel, que também
estava grávida mas que já na velhice necessitava de mais cuidados. Ao dizer seu
‘Sim’ grandioso a Deus, a Virgem Maria sai sem medo para servir, para dar ao
mundo “aquele amor com que Deus cuida de nós” o qual somente pela fé poderemos
conhecer. Assim devemos ser também nós, nossa fé deve nos impelir a servir aos
que mais necessitados; ela deve ser, principalmente, sinal da presença de Deus
na vida daqueles que servimos.
No evangelho deste domingo, Jesus
responde a pergunta curiosa de alguém que quer especular sobre os que serão
salvos. Ele diz: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita”.
E diz ainda aos que dizem ter comido e bebido diante d’Ele, aos que dizem tê-lo
ouvido ensinar em suas praças, mas que, ao fechar da porta, ficaram do lado de
fora: “Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça!” Quantas vezes
comungamos o Corpo e o Sangue do Senhor, mas não estamos em comunhão com a sua
vontade? Antes, muitas vezes, não reconheço a grandeza de Deus ante a minha
fragilidade. Quantas vezes ouvimos a
palavra do Senhor, mas não a fazemos nossa? Antes, muitas vezes, a nossa
vontade e a nossa palavra é soberana. E depois de tudo isso ainda se diz que
crê em Deus? Daí, o segundo aspecto: Nossa fé não é um postulado teórico.
Sobre esse aspecto, nós já
falamos anteriormente. “Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que
uma consente à outra realizar o seu caminho”. A fé sem obra, sem atitude
concreta que a testemunhe é somente uma convicção vazia. Nessas circunstâncias,
é somente uma ideologia. Crer em Jesus, único salvador do mundo, e dar
testemunho dessa fé, eis o esforço para se entrar pela Porta estreita, a Porta
da Fé. Esforço porque crer em Cristo Jesus e dar um testemunho coerente de sua
mensagem com a nossa vida não é tarefa fácil. A Virgem Maria compreendeu a
vontade de Deus para sua vida, acreditou e deu testemunho da sua fé. Cheia do
Espírito Santo, Santa Isabel, sua prima, proclamou a seu respeito:
“Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe
prometeu”.
Quando disseram a Jesus: “Feliz o
ventre que te trouxe!” Ele respondeu: “Muito mais felizes são os que ouvem a
palavra de Deus e a põem em prática!” Quem melhor compreendeu a vontade de Deus
e colocou a sua vida toda à serviço dessa vontade, senão a Virgem Maria? Também
nós todos os dias somos chamados a professar a nossa fé em Deus, somos chamados
a abraçar a Sua vontade e a fazer da nossa vida um intenso e contínuo serviço
àquele que nos criou e que, por sua imensa misericórdia, nos salvou do nosso
pecado e do nosso egoísmo. Que façamos da nossa vida uma atitude perene de fé!
Por fim, a segunda leitura, da
Carta aos Hebreus, convida-nos a “‘firmar as mãos cansadas e joelhos
enfraquecidos; a acertar os passos dos vossos pés’, para que não se extravie o
que é manco, mas antes seja curado”. Em outras palavras, diríamos que é preciso
firmar nossa fé no alicerce firme que é Jesus, não em coisas vãs, em coisas
inúteis, em falsos ídolos, em tolices, para que o que vacila na fé não se
escandalize, mas entenda o seu verdadeiro sentido. Daí, o terceiro aspecto: Nossa
fé precisa se firmar.
O papa Bento XVI afirma que “a fé
cristã não é só crer em verdades, mas é antes de tudo uma relação pessoal com
Jesus Cristo, é o encontro com o Filho de Deus, que dá a toda a existência um
novo dinamismo, firmando-nos na fé”. Conhecer a própria fé, saber em quem se
crê é o que de mais básico qualquer cristão deve fazer. Como dar testemunho da
própria fé se não se sabe em quem se crê? Como ser mensageiro da Palavra de
Deus se eu não a conheço? Por isso, é preciso antes de tudo ter uma experiência
verdadeira e sincera com o Senhor, é preciso conhecê-lo, é preciso enraizar-se
n’Ele para tornar firme a nossa fé. Nas bodas de Caná, a Mãe de Jesus disse aos
que estavam servindo: “Fazei tudo o que Ele vos disser!” Somente quem conhece o
caminho a seguir, pode ensiná-lo sem medo de errar. Somente quem tem convicção,
pode convencer. Que sejamos também nós assim!
É agora à Virgem Santíssima que eu quero pedir
como o papa Francisco, no final da Encíclica Lumen Fidei: “Ajudai, ó Mãe, a nossa fé. Abri o nosso ouvido à Palavra,
para reconhecermos a voz de Deus e o seu chamado. Despertai em nós o desejo de
seguir os seus passos, saindo da nossa terra e acolhendo a sua promessa.
Ajudai-nos a deixar-nos tocar pelo seu amor, para podermos tocá-lo com a fé.
Ajudai-nos a confiar-nos plenamente a Ele, a crer no seu amor, sobretudo nos
momentos de tribulação e cruz, quando a nossa fé é chamada a amadurecer.
Semeai, na nossa fé, a alegria do Ressuscitado. Recordai-nos que quem crê nunca
está sozinho. Ensinai-nos a ver com os olhos de Jesus, para que Ele seja luz no
nosso caminho. E que esta luz da fé cresça sempre em nós até chegar aquele dia
sem ocaso que é o próprio Cristo, vosso filho, nosso Senhor. Amém.
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