segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Homilia na Catedral - 25 de agosto

É no trecho, que meditaremos hoje, da Carta Apostólica Porta Fidei, que o papa emérito Bento XVI convida-nos a, neste Ano da Fé que ainda vivenciamos, intensificar o testemunho da caridade. Mas o que têm a ver caridade e fé? Afirma o Apóstolo São Tiago, respondendo-nos esta pergunta: “De que serve, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou irmã estiverem nus e precisarem de alimento cotidiano, e um de vós lhes disser: ‘Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome’, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes servirá? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda! Poderá alguém alegar sensatamente: ‘Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé’” (Tg 2,14-18).
É nesse sentido que afirma Bento XVI que a fé sem caridade não dá fruto. Que fruto daria uma fé que se diz somente com a boca, mas não se traduz em ações? Fé sem obras, sem ações, sem atitudes concretas de vida é tão somente teoria. Uma teoria vazia, inútil. É uma ideologia que certamente nos frustrará. Contudo, a nossa fé não é uma ideologia furada, nem é muito menos uma atitude sem convicção, porque – como também afirma Bento XVI –sua fórmula central não diz: "Creio alguma coisa", mas: "Creio em Ti". Cremos em Cristo Jesus que se entregou à morte para salvar-nos da nossa culpa e do nosso egoísmo. Cremos que Ele se encarnou no ventre da Virgem Santíssima, cujas alegrias estamos celebrando nesta festa, fez-se homem e veio habitar entre nós. Cremos em um Deus que se fez homem para nos ensinar a sermos homens. Como, então, algum cristão pode pensar em viver uma fé fria, sem obras, morta?
Se a fé se esvazia sem nossas atitudes concretas, “a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida”. Nada muito diferente do que disse o papa Francisco, na Santa Missa com os cardeais, na Capela Sistina, logo após a sua eleição: “Podemos caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Nós nos tornaremos uma ONG social, caritativa; mas não seremos a Igreja, Esposa do Senhor”. Se as boas obras são indispensáveis à fé, a fé é na mesma medida indispensável a qualquer bem que queiramos fazer. É a fé que permite conhecer Cristo e reconhecê-lo no outro e é esse conhecimento de Cristo que nos impele a socorrer o próximo no caminho da vida. De nada adianta socorrer materialmente aos mais necessitados, se não pudermos oferecer a eles o socorro espiritual de que, muitas vezes, tanto se necessita. Fé sem convicção, caridade inútil: fazer-se próximo ao mais necessitado sem fazê-lo próximo a Deus.
O tema proposto para esta noite, a sétima da festa em honra a Nossa Senhora dos Prazeres, padroeira de nossa cidade e desta arquidiocese, diz-nos exatamente isto: “A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho”. Providencialmente, a liturgia da palavra deste domingo possui alguns aspectos que dizem respeito ao referido tema. Destacam-se três. A primeira leitura, do Livro do Profeta Isaías, enfatiza  a promessa de Deus de colocar um sinal no meio dos que ainda não ouviram falar d’Ele e de enviar mensageiros para proclamá-lo. Daí, o primeiro aspecto: Nossa fé deve ser sinal da presença de Deus.
Diz-nos o Livro do Profeta Isaías: “Porei no meio de todos os povos um sinal, e enviarei mensageiros para as terras distantes, e, para aquelas que ainda não ouviram falar em mim e não ouviram minha glória”. Que a nossa fé sirva de sinal da presença de Deus! Somos nós os mensageiros de Deus enviados às terras mais distantes do nosso tempo, enviados às “periferias existenciais”, enviados a dar testemunho da nossa fé por meio de obras concretas, por meio de atitudes de vida verdadeiras e sinceras. Em sua visita ao Rio de Janeiro, há exatamente um mês, dizia-nos o papa Francisco: “Quero que a Igreja saia às ruas, quero que abandonemos tudo que seja mundano, que seja conformidade, que seja comodidade, que seja clericalismo, que nos encerre em nós mesmos. As paróquias, os colégios, as instituições são para sair, se não saem se convertem em uma ONG e a Igreja não pode ser uma ONG”. A Igreja precisa dar testemunho da sua fé!
A Virgem Santíssima é exemplo de fé viva. Ela, sim, soube fazer-se sinal da presença de Deus. Conta-nos o evangelista São Lucas que, ao receber a mensagem do anjo Gabriel de que seria a mãe do Salvador, ela partiu para servir sua prima Santa Isabel, que também estava grávida mas que já na velhice necessitava de mais cuidados. Ao dizer seu ‘Sim’ grandioso a Deus, a Virgem Maria sai sem medo para servir, para dar ao mundo “aquele amor com que Deus cuida de nós” o qual somente pela fé poderemos conhecer. Assim devemos ser também nós, nossa fé deve nos impelir a servir aos que mais necessitados; ela deve ser, principalmente, sinal da presença de Deus na vida daqueles que servimos.
No evangelho deste domingo, Jesus responde a pergunta curiosa de alguém que quer especular sobre os que serão salvos. Ele diz: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita”. E diz ainda aos que dizem ter comido e bebido diante d’Ele, aos que dizem tê-lo ouvido ensinar em suas praças, mas que, ao fechar da porta, ficaram do lado de fora: “Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça!” Quantas vezes comungamos o Corpo e o Sangue do Senhor, mas não estamos em comunhão com a sua vontade? Antes, muitas vezes, não reconheço a grandeza de Deus ante a minha fragilidade.  Quantas vezes ouvimos a palavra do Senhor, mas não a fazemos nossa? Antes, muitas vezes, a nossa vontade e a nossa palavra é soberana. E depois de tudo isso ainda se diz que crê em Deus? Daí, o segundo aspecto: Nossa fé não é um postulado teórico.
Sobre esse aspecto, nós já falamos anteriormente. “Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho”. A fé sem obra, sem atitude concreta que a testemunhe é somente uma convicção vazia. Nessas circunstâncias, é somente uma ideologia. Crer em Jesus, único salvador do mundo, e dar testemunho dessa fé, eis o esforço para se entrar pela Porta estreita, a Porta da Fé. Esforço porque crer em Cristo Jesus e dar um testemunho coerente de sua mensagem com a nossa vida não é tarefa fácil. A Virgem Maria compreendeu a vontade de Deus para sua vida, acreditou e deu testemunho da sua fé. Cheia do Espírito Santo, Santa Isabel, sua prima, proclamou a seu respeito: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”.
Quando disseram a Jesus: “Feliz o ventre que te trouxe!” Ele respondeu: “Muito mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática!” Quem melhor compreendeu a vontade de Deus e colocou a sua vida toda à serviço dessa vontade, senão a Virgem Maria? Também nós todos os dias somos chamados a professar a nossa fé em Deus, somos chamados a abraçar a Sua vontade e a fazer da nossa vida um intenso e contínuo serviço àquele que nos criou e que, por sua imensa misericórdia, nos salvou do nosso pecado e do nosso egoísmo. Que façamos da nossa vida uma atitude perene de fé!
Por fim, a segunda leitura, da Carta aos Hebreus, convida-nos a “‘firmar as mãos cansadas e joelhos enfraquecidos; a acertar os passos dos vossos pés’, para que não se extravie o que é manco, mas antes seja curado”. Em outras palavras, diríamos que é preciso firmar nossa fé no alicerce firme que é Jesus, não em coisas vãs, em coisas inúteis, em falsos ídolos, em tolices, para que o que vacila na fé não se escandalize, mas entenda o seu verdadeiro sentido. Daí, o terceiro aspecto: Nossa fé precisa se firmar.
O papa Bento XVI afirma que “a fé cristã não é só crer em verdades, mas é antes de tudo uma relação pessoal com Jesus Cristo, é o encontro com o Filho de Deus, que dá a toda a existência um novo dinamismo, firmando-nos na fé”. Conhecer a própria fé, saber em quem se crê é o que de mais básico qualquer cristão deve fazer. Como dar testemunho da própria fé se não se sabe em quem se crê? Como ser mensageiro da Palavra de Deus se eu não a conheço? Por isso, é preciso antes de tudo ter uma experiência verdadeira e sincera com o Senhor, é preciso conhecê-lo, é preciso enraizar-se n’Ele para tornar firme a nossa fé. Nas bodas de Caná, a Mãe de Jesus disse aos que estavam servindo: “Fazei tudo o que Ele vos disser!” Somente quem conhece o caminho a seguir, pode ensiná-lo sem medo de errar. Somente quem tem convicção, pode convencer. Que sejamos também nós assim!
             É agora à Virgem Santíssima que eu quero pedir como o papa Francisco, no final da Encíclica Lumen Fidei: “Ajudai, ó Mãe, a nossa fé. Abri o nosso ouvido à Palavra, para reconhecermos a voz de Deus e o seu chamado. Despertai em nós o desejo de seguir os seus passos, saindo da nossa terra e acolhendo a sua promessa. Ajudai-nos a deixar-nos tocar pelo seu amor, para podermos tocá-lo com a fé. Ajudai-nos a confiar-nos plenamente a Ele, a crer no seu amor, sobretudo nos momentos de tribulação e cruz, quando a nossa fé é chamada a amadurecer. Semeai, na nossa fé, a alegria do Ressuscitado. Recordai-nos que quem crê nunca está sozinho. Ensinai-nos a ver com os olhos de Jesus, para que Ele seja luz no nosso caminho. E que esta luz da fé cresça sempre em nós até chegar aquele dia sem ocaso que é o próprio Cristo, vosso filho, nosso Senhor. Amém.

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