quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Homilia das vésperas do Natal do Senhor (texto completo)

Se eu pudesse me queixar do evangelista, hoje, certamente, eu o faria, e digo que com razão. Conta-nos São Lucas muito dos aspectos históricos da época em que Jesus nasceu. Diz que foi no reinado do Imperador Romano César Augusto que se apresentava como artífice da paz, como aquele que – por meio de seu poder – estabelecia a paz. Diz que foi quando Quirino era governador da Síria e quando se realiza um recenseamento de toda a terra.
Mas o que falta a esta passagem do Evangelho, que acabamos de ouvir, é exatamente o tom poético com que hoje nos revestimos para celebrar o nascimento do Filho de Maria Santíssima. Para o bem da verdade é bom que se diga que os homens fazem grande questão de saber o onde, o como e o quando dos grandes acontecimentos. Quando se nasce um grande, um soberano, então! Recentemente, nascia o príncipe George, herdeiro do trono inglês, e – ao saber de tal notícia – rapidamente o mundo voltou o seu olhar para a cidade de Londres.
Rapidamente, a imprensa cuidou de noticiar onde, como e quando o futuro Rei da Inglaterra havia nascido. Maior festa fizeram ainda os seus súditos, reunindo-se à porta do Palácio Real à espera de que se lhes fosse dada a oportunidade de ver – ao menos por um instante – o menino. Deve ser porque somos mortais que com muita alegria festejamos o nascer. Mas isto de nascer não merece nem alegria nem tristeza. Se pensarmos bem, merece antes tristeza que alegria. Com o nascimento dá-se início à vida e com a morte temos o seu fim. Para os que começam a vida agora, tudo aquilo que pensa e que se quer ser fica para o futuro e, pensando agora, no futuro não há mal nem bem.
Mal é pensar que as crianças que nascem são melhores ou piores porque nasceram em tal lugar, naquele tempo e daqueles pais. Vejam só que na mesma terra, no mesmo tempo e dos mesmos pais nasceram Caim e Abel. O primeiro assassinou o próprio irmão por causa da sua vaidade e da sua ganância. O segundo foi o primeiro mártir da história da humanidade. Sendo assim, avaliar os nascimentos pelos pais é futilidade. Mostrar a sua grandeza no tempo é superstição e bendizer o lugar onde ocorreu é ignorância. Somente glorificar pela finalidade é louvável.
Mas, em meio a tantos nascimentos, os do dia-a-dia mesmo, os pequenos nascimentos que nos abrem à vontade de Deus, quando nos fazemos pobre como ele se fez, sem esperar presentes e agradecimentos supérfluos alimentando a nossa vaidade, celebramos hoje o nascimento de quem? A Profecia de Isaías proclamada hoje nos narra o dia em que o povo de Deus, que andava nas trevas da ignorância e do erro, viu brilhar para si uma grande luz, fazendo com que em todos crescesse a alegria e que em todos a felicidade fosse plena na vida.
Antes ainda de falar do Menino que hoje nasceu, quero falar – porque considero mais importante – da finalidade por que nasceu. Diz-nos o profeta Isaías que foi para que nos alegrássemos com o esplendor da pobreza de um Deus que se faz igual a nós, livrando-nos dos fardos, dos cansaços, das tristezas e das desilusões que vivemos dia após dia em nossas vidas. E é poético ouvir o profeta dizer que o nome do pobre Menino que nasceu hoje é Deus forte e que ele, o Príncipe da paz, vai nos trazer a paz, a harmonia, a esperança e todos os outros desejos que, só com Ele têm sentido, que o mundo tão sem Ele tem desejado.
Eu pergunto agora pergunto a vocês – respondam não a mim, mas no silêncio do coração –: com que finalidade nascemos? Por que estamos vivendo esta vida? São perguntas existenciais, mas eu não quero levá-los a uma crise de identidade, não. Eu até ofereceria uma resposta: a finalidade com que Deus nos criou e com que nascemos todos nós não é a de servir ao mundo, nem para nos servimos das coisas que o mundo nos oferece, mas para servir a Deus – motivo da nossa alegria -, a fim de um dia o vermos face-a-face no céu. Mas eu penso ainda: a quantos não pesa ter nascido? A quantos nascer e viver são um peso? Se não pelo peso da própria vida, por sentir-se excluído do mundo e dessa nossa sociedade egoísta e sem Deus.
Jó – e dizemos que ele tinha uma paciência inesgotável, a famosa paciência de Jó – caiu na fraqueza de sentir pesada a própria vida. Afogado na tristeza dos Sem Deus, praguejava: “Maldito seja o dia em que nasci e a noite em que foi dito: ‘Nasceu um menino! ’ Que esse dia se transforme em trevas. Que Deus lá do alto não se incomode com ele, que nesse dia não brilhe mais o sol e que dele se apoderem as trevas”. Mas se Jó olhasse para a sua vida, ele a bendiria mil vezes, agradecendo a Deus. Quantos de nós não somos assim? E Deus não ouviu os lamentos de Jó, antes mandou que brilhasse ainda mais forte o sol no dia do seu nascimento.
Antes e ainda mais agora! Fez Deus brilhar naquela noite fria de Belém, sob o céu estrelado, não um pisca-pisca iluminando uma árvore enfeitada, tampouco uma lâmpada iluminando uma sala, menos ainda um canhão de luz a iluminar o céu. Em plena noite, Deus fez brilhar o Sol da justiça! Não esse sol que nós – há dias é verdade – não vemos nascer direito por causa do tempo nublado, mas o verdadeiro Sol que deve iluminar a nossa vida, fazendo com que, como nos exorta São Paulo na Carta a Tito, abandonando a impiedade e as paixões deste mundo, vivamos com equilíbrio, justiça e piedade, praticando o bem na alegria de termos nascido para aquele que nasceu por nós.
Sim, o Menino, que hoje nasceu, nasceu por nós e para nós, como afirma o Salmo. Deus que, não tendo nascido porque existe antes de todos os séculos, quis nascer em nossa humana condição, fazendo-se igual a nós em tudo, menos no pecado. Ele não nasce poderoso, filho do Imperador Romano, porque se assim nascesse seria o poder de César e não de Deus que haveria mudado o mundo; Ele não nasce filho de um grande deputado ou senador, porque a reforma social que fez seria considerada influência da educação que recebeu; mas Ele nasce desprezível e pobre, insignificante e ignorado – pois conta-nos ainda São Lucas que não havia lugar para eles na hospedaria.
O dono de tudo veio em forma de servo. O Rei veio em forma de plebeu. O patrão veio em forma de empregado. E nós, o que nos sentimos? Não tendo lugar onde deitar, colocaram o dono de tudo no lugar onde os bichos comiam. E nós ainda temos um rei na barriga! Alguns de nós temos uma família real inteira! Mas o dono de tudo veio pobre e o esplendor da sua glória não é ser o Presidente dos Estados Unidos nem é ser Rei da Inglaterra. O esplendor da sua glória não é ser ator da Globo nem ser um famoso cantor. Tenham certeza que também não é ser padre ou bispo, nem médico, nem engenheiro, não é ser advogado nem professor.
O esplendor da glória do Menino que nasce hoje é a pobreza. É nascer Elison, José, Roberto, Maria, Ana, Chiquinha. O esplendor da glória de Jesus é nascer Severino assim como tantos nordestinos, afirma João Cabral de Melo Neto no Auto de Natal Morte e Vida Severina. Ele nasce Severino na romaria que é a vida da gente. Severino igual a tantos outros severinos na vida com a mesma fome e com a mesma fraqueza de ser humano, com o mesmo sofrimento e com as mesmas aflições, mas não com a mesma morte, que Ele vence e por vencê-la dá a nós a vida eterna.
Jesus nasce Severino para nos fazer severinos também nessa vida. E não importa se somos Severinos nascidos de Maria e de José, se somos nascidos de Ana e de João, do Príncipe da William da Inglaterra e da Duquesa de Cambridge. Nem importa se nascemos aqui ou ali, em Maceió ou em Londres, em um lugarzinho pobre e sem condições ou em um palácio luxuoso em uma grande cidade. Importa muito menos se nascemos hoje ou ontem, há 100 ou há 20 anos, em um tempo de guerra ou em um tempo de paz. Importa que sejamos Severinos de Jesus, ou melhor, pobres de coração, humilde de espírito, sem vaidade ou orgulho que nos cegue. E que sejamos tudo isso e de Jesus.
Para sermos de Jesus e para construirmos aqui a paz que Ele veio nos trazer por seu nascimento é que nós nascemos. Para acolher aos mais pobres e necessitados de fé, alimento espiritual, e de comida, alimento corporal, sem distinção, sem esperar as glórias dos agradecimentos é que nós nascemos. Para sermos cristãos autênticos, testemunho de vida nos lugares por onde passamos, não homens e mulheres de meias verdades, de tanto faz como tanto fez, mas homens e mulheres do ‘sim’ e da entrega a Deus, é que nós nascemos. Peçamos ao Menino Jesus, que nasceu hoje, para que sejamos de fato assim!
Que o Seu nascimento nos faça acertar o rumo da nossa vida, afinal para nós foi que Ele nasceu em Belém há mais de 2 mil anos! Oxalá tenha espaço no nosso coração para que Ele nasça hoje! Queira Deus ainda haja espaço entre os papais-noéis, os piscas-piscas, a ceia e os presentes para que Ele nasça no seio da nossa casa, no coração da nossa família! Amém.

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